Resumo

Objetivos

Identificar os fatores preditivos associados com a recorrência vesical do carcinoma urotelial do aparelho urinário superior (CTUS), em doentes submetidos a nefroureterectomia radical e determinar a sobrevivência global destes indivíduos.

Materiais e métodos

Análise retrospetiva de 64 doentes com CTUS submetidos a nefroureterectomia radical, entre 2003‐2013, no Serviço de Urologia do Hospital de São João, Porto, Portugal. Analisaram‐se as seguintes variáveis: idade, género, características do tumor (estádio, grau, localização, invasão linfovascular, multifocalidade), neoplasia maligna prévia da bexiga, tipo de abordagem cirúrgica do ureter distal e quimioterapia adjuvante (sistémica).

Resultados

A idade mediana foi de 71,0 anos (percentil 25‐percentil 75: 64,5‐75,5) e 65,6% eram do género masculino. O follow‐up mediano foi de 33,8 meses (P25‐P75: 15,0‐64,6). Os estádios T3 e T4 (hazard ratio [HR] = 1,35 [95%intervalo de confiança {IC}: 0,47‐3,94]), a localização no ureter (HR = 1,47 [95%IC: 0,53‐4,06]), multifocalidade (HR = 2,86 [95%IC: 0,89‐9,12]) e quimioterapia adjuvante (HR = 3,84 [95%IC:0,90‐16,45]) estavam associados com pior sobrevivência global, embora de forma não estatisticamente significativa. Neoplasia maligna prévia da bexiga (HR: 2,03 [95%IC: 0,66‐6,26]), invasão linfovascular (HR = 1,40 [95%IC: 0,49‐4,05]) e tumores de alto grau (HR = 1,43 [95%IC: 0,33‐6,29]) apresentaram recorrência vesical mais alta, embora não estatisticamente significativa. Uma tendência a um menor risco de recorrência vesical foi observada entre os pacientes sujeitos a QT adjuvante (HR = 0,78 [95%IC: 0,22‐2,72]).

Conclusões

A história prévia de neoplasia maligna da bexiga foi o preditor mais forte de recorrência vesical e indivíduos com marcadores de pior prognóstico tendem a ter um menor risco de recorrência vesical, devido a supostos riscos competitivos entre morte e recorrência.

Abstract

Objectives

To identify the predictive factors associated with bladder recurrence of UTUC in patients undergoing radical nephroureterectomy and determine the overall survival of these individuals.

Materials and methods

Retrospective analysis of 64 patients with UTUC subjected to radical nephroureterectomy between 2003 and 2013 in Department of Urology–Hospital S. João, Porto, Portugal. The following variables were analysed: age, gender, tumour characteristics (stage, grade, location, lymphovascular invasion, multifocality), previous malignant neoplasia of the bladder, surgical approach of the distal ureter and adjuvant (systemic) chemotherapy.

Results

The median age was 71.0 years (percentile25‐percentile75: 64.5‐75.5) and 65.6% were male. The median follow‐up was 33.8 months (P25‐P75: 15.0‐64.6). T3 and T4 stages [Hazard ratio (HR) = 1.35 (95%confidence interval: 0.47‐3.94)], the location in the ureter [HR = 1.47 (95%CI: 0.53‐4.06)], multifocality [HR = 2.86 (95%CI: 0.89‐9.12)] and adjuvant chemotherapy [HR = 3.84 (95%CI: 0.90‐16.45)] were associated with worse overall survival, although not statistically significant. Previous malignant neoplasia of the bladder [HR = 2.03 (95%CI: 0.66‐6.26)], lymphovascular invasion [HR = 1.40 (95%CI: 0.49‐4.05)] and high‐grade tumours [HR = 1.43 (95%CI: 0.33‐6.29)] showed higher bladder recurrence, although not statistically significant. A tendency to a lower risk of bladder recurrence was observed among patients receiving adjuvant chemotherapy [HR = 0.78 (95%CI: 0.22‐2.72)].

Conclusions

The previous history of malignant neoplasia of the bladder was the strongest predictor of bladder recurrence and individuals with worse prognostic markers tend to have a lower risk of bladder recurrence, due to supposed competing risks between death and recurrence.

Palavras‐chave

Carcinoma urotelial; Neoplasias urológicas; Carcinoma de células de transição; Recorrência neoplásica; Prognóstico

Keywords

Urothelial carcinoma; Urologic neoplasms; Transitional cell carcinoma; Neoplasm recurrence; Prognostic

Introdução

O carcinoma de células uroteliais do trato urinário superior (CTUS) é um tumor raro, sendo responsável por 5% de todos os tumores uroteliais e 10% de todos os tumores renais1, 2 and 3. A recorrência vesical está presente em 22‐47% dos pacientes4 and 5, sendo que mais de 80‐90% das recorrências ocorrem nos primeiros 2‐3 anos após a cirurgia6.

Os CTUS são, na maioria dos casos, invasivos ao diagnóstico (60%)7 and 8, têm um pico de incidência entre os 70‐80 anos e são 3 vezes mais prevalentes no sexo masculino9 and 10.

A nefroureterectomia radical com cistectomia perimeática é considerada o tratamento «gold standard» para o CTUS8.

Até à data, vários fatores têm sido propostos como estando associados a recorrência vesical, entre eles: a idade, género, apresentação clinica, métodos de diagnóstico, localização do tumor primário, estádio patológico, grau, estadiamento ganglionar, presença de carcinoma in situ (CIS) concomitante, invasão linfovascular, configuração tumoral (papilar vs. séssil), multifocalidade, tamanho do tumor, quimioterapia adjuvante, tumor na bexiga prévio/síncrono, diabetes mellitus, valor da albumina, score prognóstico de Glasgow, proteína C reativa, método cirúrgico (clássico vs. laparoscópico), manipulação do ureter distal e cistectomia perimeática adequada 6, 8, 11, 12, 13, 14, 15, 16 and 17.

Contudo, os resultados têm sido controversos, com evidência limitada em estabelecer estratégias de vigilância, bem como a falta de integração na análise multivariada das características patológicas e cirúrgicas.

O objetivo deste estudo é identificar quais os fatores preditivos (clínicos, patológicos ou cirúrgicos) associados com a recorrência vesical de CTUS, em doentes sujeitos a nefroureterectomia radical, e determinar a sobrevivência global destes indivíduos.

Materiais e métodos

Os dados foram recolhidos a partir dos processos clínicos dos doentes, codificados no Serviço de Urologia do Hospital de São João, como tendo sido sujeitos a nefroureterectomia radical por CTUS, entre 1 de janeiro de 2003 e 31 de dezembro de 2013, após autorização pela Comissão de Ética da referida instituição. Os doentes que continham uma descrição na anatomia patológica compatível com carcinoma epidermoide do urotélio alto, ou sem descrição do tipo histológico do carcinoma, foram excluídos. Nenhum doente tinha história prévia de tumor músculo‐invasivo da bexiga ou tumor da bexiga de alto grau. Sendo assim, foram incluídos no estudo um total de 64 doentes.

A análise de sobrevivência, que permitiu avaliar os determinantes de recorrência vesical e comparar as sobrevivências globais, recorreu a curvas de Kaplan‐Meier e a hazard ratios (HR) ajustados para a idade e género (estimados com a regressão de Cox). O nível de significância adotado foi p < 0,05.

Todas as amostras cirúrgicas foram sujeitas a avaliação pelo Serviço de Anatomia Patológica do mesmo centro. Os tumores foram estadiados de acordo com 2002 American Joint Committee on Cancer. O grau tumoral foi definido baseado em duas classificações diferentes, a classificação de 1973 da World Health Organization (WHO) que distinguia três graus (G1,G2,G3) e a classificação de 2004 da WHO baseada em dados histológicos, onde estão incluídos os tumores de baixo e alto graus, dependendo da classificação adotada no momento pelo Serviço de Anatomia Patológica. Na análise dos dados optou‐se pela classificação mais recente, considerando‐se os tumores G1 e G2 como de baixo grau, e os tumores G3 como de alto grau. Os doentes com CIS foram incluídos no grupo de alto grau.

Os tumores com localização no bacinete ou na árvore pielocalicial foram reclassificados como localizados no rim; por outro lado, os que tinham localização no ureter ou na transição ureteropélvica foram reclassificados como localizados no ureter. Alguns apresentavam ambas as localizações ao diagnóstico.

A multifocalidade do tumor foi definida como a presença de 2 ou mais tumores síncronos no urotélio alto (árvore pielocalicial, bacinete, transição ureteropélvica ou ureter), aquando da avaliação patológica.

Os tipos de abordagem cirúrgica quer do tumor, quer da desinserção do ureter distal, foram transcritas dos relatórios cirúrgicos dos pacientes.

Os doentes tratados com quimioterapia (QT) sistémica adjuvante, foram sujeitos ao esquema terapêutico Gencitabina/Cisplatina, com um número médio de 3 a 6 ciclos.

O estádio ganglionar (N), a presença de metástases (M), o tipo de resseção (R) e a existência de invasão linfovascular foram obtidos após leitura do relatório da anatomia patológica.

O tempo até à recorrência vesical foi contabilizado em meses, desde a data da cirurgia para o tumor primário até à data do relatório da anatomia patológica que identifica um tumor vesical.

Na ausência de linhas de orientação para seguimento destes doentes no momento em que foram estudados, seguiu‐se um protocolo criado no Serviço de Urologia do Hospital São João, aplicado a todos os doentes independentemente do estádio do tumor; de 3 em 3 meses no 1.° ano, de 6 em 6 meses até ao 5.° ano e, posteriormente, de forma anual.

O follow‐up consistia na colheita da história clínica e exame físico, hemograma, bioquímica, citologia urinária, ecografia/TAC abdominopélvico, radiografia/TAC torácico e cistoscopia.

O status vivo/falecido do doente foi obtido após consulta dos processos clínicos da data do óbito.

Resultados

A idade mediana dos pacientes foi de 71 anos (percentil 25‐percentil 75: 64,5‐75,5). Dos 64 pacientes avaliados, 42 eram do sexo masculino (65,6%) e apenas 22 indivíduos (34,4%) do sexo feminino.

A maioria dos pacientes não apresentava história prévia de neoplasia da bexiga (85,9%), aquando do diagnóstico de carcinoma do urotélio alto. No entanto, 2 doentes (3,1%) eram portadores de tumor vesical síncrono de alto grau. Dos 64 tumores uroteliais primários, 40 (62,5%) tinham localização no rim, 17 (26,6%) no ureter e 7 (10,9%) tinham localização no rim e no ureter.

A maioria dos cirurgiões optou pela abordagem cirúrgica aberta (64,1%). Por outro lado, a desinserção endoscópica do ureter foi a opção mais utilizada (45,3%). A técnica usada para desinserção endoscópica do ureter distal foi a incisão periuretérica com faca de Collings.

A maioria dos tumores primários apresentava multifocalidade aquando da cirurgia, com esta característica presente em 51,6% da população estudada.

Da análise dos relatórios da anatomia patológica, pode‐se constatar que 47% dos tumores eram T3 e, no total, 87,6% dos tumores apresentaram‐se como invasores. Relativamente ao grau histológico, mais de 70% destes tumores (71,8%) eram de alto grau. A invasão linfovascular estava presente em 39,1% dos casos e a presença de CIS verificou‐se apenas em 1,6%.

As margens cirúrgicas foram positivas em 12,5% dos casos. Relativamente aos gânglios regionais, apesar de haver informação em apenas 89,1% dos doentes, verificaram‐se gânglios positivos em 9,4% do total.

O tempo mediano de «follow‐up» foi de 33,8 meses. Dos 64 pacientes estudados, 18 apresentaram recorrência vesical (28,1%), verificando‐se que aos 12 meses estavam presentes 66,7% das recorrências e aos 24 meses 83,3%. A taxa de mortalidade foi de 31,2% no período estudado (tabela 1).

Tabela 1. Características clínicas, patológicas e cirúrgicas dos 64 pacientes tratados com nefroureterectomia radical por carcinoma do urotélio alto
Variável Total de pacientes
Idade (mediana, anos) 71,0
Género, n (%)
 Masculino 42 (65,6)
 Feminino 22 (34,4)
Neoplasia maligna prévia da bexiga, n (%)
 Sim 9 (14,1)
 Não 55 (85,9)
Localização do tumor primário, n (%)
 Rim 40 (62,5)
 Ureter 17 (26,6)
 Ambas as localizações 7 (10,9)
Multifocalidade, n (%)
 Sim 33 (51,6)
 Não 23 (35,9)
 SI 8 (12,5)
Abordagem cirúrgica, n (%)
 Aberta 41 (64,1)
 Laparoscópica 14 (21,9)
 SI 9 (14,1)
Desinserção do ureter distal, n (%)
 Extravesical 18 (28,1)
 Endoscópica 29 (45,3)
 SI 17 (26,6)
Estádio pT n (%)
 pTa 4 (6,2)
 pT1 10 (15,6)
 pT2 11 (17,2)
 pT3 30 (47,0)
 pT4 5 (7,8)
 SI 4 (6,2)
Grau, n (%)
 Baixo 9 (14,1)
 Alto 46 (71,8)
 SI 9 (14,1)
Estádio ganglionar, n (%)
 pN0 16 (25,0)
 pNx 35 (54,7)
 pN+ 6 (9,4)
 SI 7 (10,9)
CIS concomitante, n (%)
 Sim 1 (1,6)
 Não 56 (87,5)
 SI 7 (10,9)
Metástases, n (%)
 Mx 31 (48,4)
 M0 3 (4,7)
 M1 3 (4,7)
 SI 27 (42,2)
Resseção, n (%)
 R0 43 (67,2)
 R1 7 (10,9)
 R2 1 (1,6)
 SI 13 (20,3)
Invasão linfovascular, n (%)
 Sim 25 (39,1)
 Não 33 (51,5)
 SI 6 (9,4)
Quimioterapia adjuvante, n (%)
 Sim 16 (25)
 Não 26 (40,6)
 SI 22 (34,4)
 Recorrência intravesical, n (%) 18 (28,1)
 Follow‐up mediano, meses 33,8
 Mortalidade, n (%) 20 (31,2)

SI: sem informação.

As variáveis avaliadas como possíveis fatores preditivos de recorrência vesical foram as seguintes: características do tumor (grau, invasão linfovascular, multifocalidade), neoplasia maligna prévia da bexiga, tipo de abordagem cirúrgica do ureter distal e quimioterapia adjuvante (fig. 1).


Análise de sobrevivência para determinação de variáveis clínicas, patológicas e ...


Figura 1.

Análise de sobrevivência para determinação de variáveis clínicas, patológicas e cirúrgicas associadas com recorrência vesical de CTUS.

Os indivíduos com tumores de alto grau (G3) tiveram uma probabilidade de recorrência vesical, em qualquer ponto no tempo, 40% maior que os indivíduos com tumores de baixo grau (G1, G2) (HR = 1,4 [95%IC: 0,33‐6,29]). Ao fim de 5 anos, a sobrevivência livre de recorrência em ambos os grupos foi superior a 50%. No entanto, as diferenças encontradas não foram estatisticamente significativas (p = 0,63).

Quando comparamos pacientes com CTUS com invasão linfovascular, verifica‐se que os indivíduos com tumores apresentando essa característica tiveram uma probabilidade de recorrência vesical 40% superior, relativamente ao grupo sem invasão linfovascular (HR: 1,4 [95%IC: 0,49‐4,05]). Em ambos os grupos, a sobrevivência livre de recorrência ao fim de 5 anos foi superior a 50%. Essas diferenças não apresentaram significância estatística (p = 0,53).

Em relação à variável multifocalidade do tumor primário, os traçados apresentaram‐se praticamente sobrepostos, não se verificando diferenças importantes entre os grupos (HR = 1,02 [95%IC: 0,36‐2,96] p = 0,96). Os indivíduos com história prévia de neoplasia maligna da bexiga (baixo grau) apresentaram uma probabilidade 2 vezes superior de recorrência vesical, em relação aos indivíduos sem história prévia da mesma (HR = 2,03 [95%IC: 0,66‐6,3]). Ao fim de um período de 5 anos, mais de 50% dos primeiros apresentaram recorrência vesical (p = 0,22).

A abordagem cirúrgica para desinserção do ureter distal foi também uma das variáveis consideradas. Quando comparamos os 2 grupos de pacientes sujeitos a abordagens diferentes, por via aberta vs. endoscópica, os indivíduos com desinserção uretérica por via endoscópica apresentaram uma probabilidade de recorrência vesical, em qualquer momento do tempo, 34% superior em relação ao grupo sujeito à abordagem aberta (HR = 1,34 [95%IC: 0,36‐5,04]). Em ambos os grupos, a sobrevivência livre de recorrência aos 5 anos foi superior a 50% (p = 0,66).

A quimioterapia adjuvante apresentou‐se como uma variável protetora neste estudo, embora as diferenças entre os 2 grupos não foram estatisticamente significativas (HR = 0,78 [95%IC: 0,22‐2,72] p = 0,69).

Os pacientes sujeitos a quimioterapia adjuvante apresentaram uma pior sobrevivência global, em relação aos indivíduos que foram tratados apenas com nefroureterectomia radical, com uma sobrevivência inferior a 50% ao fim de 5 anos (HR = 3,8 [95%IC: 0,90‐16,45] p = 0,07) (fig. 2).


Análise de sobrevivência para determinação de variáveis clínicas, patológicas e ...


Figura 2.

Análise de sobrevivência para determinação de variáveis clínicas, patológicas e cirúrgicas associadas com sobrevivência global de CTUS.

Em relação à invasão linfovascular, as curvas de sobrevivência global foram praticamente sobreponíveis (HR = 1,00 [95%IC: 0,37‐2,69] p = 0,99).

Para avaliação do impacto do estádio tumoral na sobrevivência global, agruparam‐se os doentes em 2 grupos (Ta, T1, T2 vs. T3, T4). Os indivíduos portadores de tumores no estádio T3 ou T4 estavam associados com uma pior sobrevivência global, quando comparados aos tumores nos estádios Ta‐T2 (HR: 1,35 [95%IC: 0,47‐3,94] p = 0,57).

A sobrevivência global não foi estatisticamente diferente entre indivíduos com tumores de alto grau (G3) vs. baixo grau (G1,G2) (HR = 0,42 [95%IC: 0,12‐1,41] p = 0,16).

A presença de multifocalidade no tumor primário demonstrou estar associada com pior sobrevivência global, embora ambos os grupos tenham uma sobrevivência global ao fim de 5 anos superior a 50% (HR: 2,86 [95%IC: 0,89‐9,12] p = 0,07) (fig. 2).

A história prévia de neoplasia maligna da bexiga demonstrou estar associada a pior prognóstico, com queda abrupta na sobrevivência global acima dos 20 meses após nefroureterectomia radical (HR = 1,84 [95%IC: 0,60‐5,70] p = 0,29] (fig. 2).

A localização do tumor primário no ureter foi associada a pior sobrevivência global, relativamente à localização primária no rim (HR = 1,47 [95%IC: 0,53‐4,06] p = 0,46).

Indivíduos com diferentes abordagens de desinserção do ureter distal apresentaram diferenças estatisticamente significativas em relação à sobrevivência global. Os doentes sujeitos à abordagem endoscópica tiveram sobrevivências globais aos 5 anos acima de 75%, enquanto nos pacientes sujeitos à desinserção clássica a sobrevivência global ao fim de 5 anos não ultrapassou os 50% (HR = 0,20 [95%IC: 0,06‐0,71] p = 0,01] (fig. 2).

Ao longo deste estudo, no qual não se verificaram perdas de seguimento, ocorreram 20 óbitos, sendo que o número de recorrências na bexiga neste grupo ocorreu apenas em 3 indivíduos (15,0%) (dados não apresentados).

Discussão

A recorrência vesical no nosso grupo de pacientes foi de 28,1%, com um tempo mediano de follow‐up de 33,8 meses, o que está de acordo com estudos prévios 4 and 5.

Até ao momento, vários fatores de risco têm sido propostos para a recorrência vesical; no entanto, os resultados têm sido controversos, com evidência limitada em estabelecer estratégias de vigilância6.

No nosso estudo, as variáveis avaliadas como possíveis fatores preditivos de recorrência vesical foram as seguintes: características do tumor (grau, invasão linfovascular, multifocalidade), neoplasia maligna prévia da bexiga, tipo de abordagem cirúrgica do ureter distal e quimioterapia adjuvante.

Cho et al. mostraram que não havia diferenças significativas na recorrência vesical com as variáveis idade, género, grau, estádio, tamanho, invasão linfovascular e QT adjuvante6 and 11. Contudo, outros estudos têm sugerido o oposto, ao apresentar estádio, grau, género e outros fatores como preditivos de recorrência na bexiga18, 19, 20, 21, 22 and 23. No nosso coorte, os indivíduos com tumores de alto grau (G3) apresentaram uma probabilidade de recorrência vesical 40% superior, em relação àqueles com tumores de baixo grau (G1, G2). Do mesmo modo, os tumores com invasão linfovascular tinham uma probabilidade de recorrência vesical superior, relativamente aos tumores sem essa característica. No entanto, em ambas as situações, as diferenças não foram estatisticamente significativas, o que pode ser explicado pelo pequeno tamanho da amostra. Os indivíduos sujeitos a QT adjuvante apresentaram uma tendência de menor risco de recorrência vesical, o que pode ser justificado não só pela ação protetora da QT, mas também por apresentarem pior prognóstico e morrerem antes do desenvolvimento da recorrência.

Vários estudos têm indicado a história prévia de neoplasia da bexiga como o fator preditivo mais importante de recorrência vesical de CTUS14, 17 and 24. De acordo com estudos prévios, essa variável foi o fator preditivo mais forte de recorrência vesical do CTUS no nosso coorte.

Perante ausência de história prévia de neoplasia da bexiga, a multifocalidade é um fator de risco independente para recorrência vesical14. Um outro estudo demonstrou que o risco de tumores recorrentes na bexiga é quase 3 vezes superior para CTUS multifocais, quando comparados a tumores primários únicos13. No presente estudo, as curvas de sobrevida livre de recorrência vesical apresentaram‐se praticamente sobrepostas em relação à variável multifocalidade do tumor primário, o que poderá ser explicado pela tendência a uma pior sobrevida global em indivíduos com tumores multifocais, com ocorrência da morte previamente ao desenvolvimento da recorrência vesical.

Diversos trabalhos têm mostrado que as taxas de recorrência na bexiga após a nefroureterectomia radical para CTUS não são dependentes da técnica usada para abordagem do ureter distal25, 26 and 27. Contudo, um estudo mais recente defende que a abordagem endoscópica do ureter distal está significativamente associada com maior recorrência intravesical17. Possíveis causas para uma maior taxa de recorrência intravesical em pacientes tratados com abordagem endoscópica incluem a disseminação tumoral e/ou a remoção incompleta do tumor17. No nosso estudo, assistimos a uma tendência de maior risco de recorrência vesical nos indivíduos que foram sujeitos a desinserção do ureter distal por via endoscópica, o que pode ser explicado por falha da técnica cirúrgica, bem como pela utilização da mesma em doentes com tumores aparentemente menos avançados e, portanto, com maior sobrevida global e maior tempo de seguimento para o desenvolvimento de recorrência.

Para além dos fatores preditivos de recorrência vesical, foram avaliados neste grupo de indivíduos possíveis indicadores de sobrevivência global.

Vários indicadores de mau prognóstico têm sido identificados em estudos prévios, como localização do tumor no ureter, história prévia de carcinoma na bexiga, invasão linfovascular, multifocalidade, entre outros13, 28, 29 and 30.

No presente estudo, doentes portadores de tumores em estádios mais elevados (T3‐T4) apresentaram pior sobrevida global, quando comparados com indivíduos com tumores nos estádios Ta‐T2. Em relação ao grau tumoral, não se verificaram diferenças estatisticamente significativas em termos de sobrevida, quando comparados indivíduos com tumores de baixo grau vs. alto grau.

A utilização de quimioterapia adjuvante foi associada a pior resultado, o que poderá ser explicado pelo facto de serem doentes com estádios mais avançados; no entanto, as evidências relativamente ao impacto desta variável no prognóstico são atualmente controversas.

No presente estudo, a presença de invasão linfovascular não esteve associada com piores resultados, ao contrário do demonstrado em trabalhos anteriores28.

Indivíduos sujeitos a desinserção endoscópica do ureter distal apresentaram melhor prognóstico quando comparados a indivíduos com desinserção por via aberta (p = 0,01), o que poderá ser explicado pelo facto de se ter optado por esta técnica em casos de tumores aparentemente menos avançados; no entanto, serão necessários estudos com maior tamanho amostral para comprovarem a validade deste achado.

Este estudo apresenta limitações inerentes à sua natureza retrospetiva; pequeno tamanho amostral devido à recolha de dados de um único centro e à raridade da patologia; ausência de revisão das lâminas por um único patologista experiente, no sentido de anular possível variabilidade interobservador; e a exclusão do estudo de pacientes sem informação histológica da peça cirúrgica, poderão ter introduzido um possível viés de seleção. A classificação dos tumores G1 e G2 como de baixo grau e os tumores G3 como de alto grau, apesar de ser uma estratégia comum e aceitável para uniformizar as classificações de 1973 e 2004 da WHO, poderá ter introduzido um viés nos resultados, uma vez que nem todos os tumores G2 são pouco agressivos, o que poderá a explicar a ausência de diferenças estatisticamente significativas em termos de sobrevida livre de recorrência vesical e global nos 2 grupos. As conclusões são limitadas em indivíduos com doença mais agressiva, com tendência a invasão à distância e consequente morte, introduzindo um viés importante na análise dos parâmetros da agressividade biológica do tumor.

Conclusões

A história prévia de neoplasia maligna da bexiga (baixo grau) foi o preditor mais forte de recorrência vesical de CTUS e aqueles indivíduos com marcadores de pior prognóstico tendem a ter um menor risco de recorrência vesical, devido a supostos riscos competitivos entre morte e recorrência. Verificou‐se que características do tumor, como o grau, multifocalidade e a presença de invasão linfovascular, não se associam a maior taxa de recorrência vesical. Também a técnica cirúrgica utilizada para a desinserção do ureter não revelou diferenças em relação à recorrência vesical. No entanto, estudos prospetivos multicêntricos com maior tamanho amostral são necessários, de forma a proporcionar uma melhor validade externa dos resultados.

Responsabilidades éticas

Proteção de pessoas e animais

Os autores declaram que para esta investigação não se realizaram experiências em seres humanos e/ou animais.

Confidencialidade dos dados

Os autores declaram ter seguido os protocolos do seu centro de trabalho acerca da publicação dos dados de pacientes.

Direito à privacidade e consentimento escrito

Os autores declaram que não aparecem dados de pacientes neste artigo.

Conflito de interesses

Os autores declaram não haver conflito de interesses.

Referências

  1. 1 J.J. Munoz, L.M. Ellison; Upper tract urothelial neoplasms: Incidence and survival during the last 2 decades; J Urol., 164 (5) (2000), pp. 1523–1525
  2. 2 S. Park, B. Hong, C.S. Kim, H. Ahn; The impact of tumor location on prognosis of transitional cell carcinoma of the upper urinary tract; J Urol., 171 (2004), pp. 621–625
  3. 3 A. Jemal, R. Siegel, E. Ward, T. Murray, J. Xu, M.J. Thun; Cancer statistics, 2007; CA Cancer J Clin., 57 (2007), pp. 43–66
  4. 4 E. Xylinas, M. Rink, V. Margulis, P. Karakiewicz, G. Novara, S.F. Shariat; Multifocal carcinoma in situ of the upper tract is associated with high risk of bladder cancer recurrence; Eur Urol., 61 (5) (2012), pp. 1069–1070
  5. 5 G. Novara, V. de Marco, O. Dalpiaz, F. Gottardo, V. Bouygues, A. Galfano, et al.; Independent predictors of metachronous bladder transitional cell carcinoma (TCC) after nephroureterectomy for TCC of the upper urinary tract; BJU Int., 101 (11) (2008), pp. 1368–1374
  6. 6 Y.H. Cho, Y.H. Seo, S.J. Chung, I. Hwang, H.S. Yu, S.O. Kim, et al.; Predictors of intravesical recurrence after radical nephroureterectomy for upper urinary tract urothelial carcinoma: An inflammation‐based prognostic score; Korean J Urol., 55 (2014), pp. 453–459
  7. 7 M. Babjuk, W. Oosterlinck, R. Sylvester, E. Kaasinen, A. Böhle, J. Palou-Redorta, et al.; EAU guidelines on non‐muscle‐invasive urothelial carcinoma of the bladder, the 2011 update; Eur Urol., 59 (6) (2011), pp. 997–1008
  8. 8 V. Margulis, S.F. Shariat, S.F. Matin, A.M. Kamat, R. Zigeuner, E. Kikuchi, et al.; Outcomes of radical nephroureterectomy: A series from the upper tract urothelial carcinoma collaboration; Cancer., 115 (6) (2009), pp. 1224–1233
  9. 9 S.F. Shariat, R.L. Favaretto, A. Gupta, H.M. Fritsche, K. Matsumoto, W. Kassouf, et al.; Gender differences in radical nephroureterectomy for upper tract urothelial carcinoma; World J Urol., 29 (4) (2011), pp. 481–486
  10. 10 G. Lughezzani, M. Sun, P. Perrotte, F.S. Shahrokh, C. Jeldres, L. Budäus, et al.; Gender‐related differences in patients with stage I to III upper tract urothelial carcinoma: Results from the Surveillance, Epidemiology, and End Results database; Urology., 75 (2) (2010), pp. 321–327
  11. 11 C. Murta, A. Antunes, M. Dall’Oglio, A. Mosconi, K.R. Leite, M. Srougi; Analysis of the clinicopathological characteristics of patients with upper urinary tract transitional cell carcinoma; Clinics (São Paulo)., 63 (2) (2008), pp. 223–228
  12. 12 B. Stein, A. Schader, G. Wegener, A. Mosconi, K.R. Leite, M. Srougi; Preoperative serum C‐reactive protein: A prognostic marker in patients with upper urinary tract urothelial carcinoma; BMC Cancer., 13 (2013), p. 101
  13. 13 C. Kang, T. Yu, H. Hsieh, J.W. Yang, K. Shu, C.C. Huang, et al.; The development of bladder tumors and contralateral upper urinary tract tumors after primary transitional cell carcinoma of the upper urinary tract; Cancer., 98 (2003), p. 8
  14. 14 S. Koda, K. Mita, M. Shigeta, T. Usui; Risk factors for intravesical recurrence following urotelial carcinoma of the upper urinary tract: No relationship to the mode of surgery; Jpn J Clin Oncol., 37 (4) (2007), pp. 296–301
  15. 15 T. Taweemonkongsap, C. Nualyong, T. Amornvesukit, S. Leewansangtong, S. Srinualnad, B. Chaiyaprasithi, et al.; Outcomes of surgical treatment for upper urinary tract transitional cell carcinoma: Comparison of retroperitoneoscopic and open nephroureterectomy; World J Surg Oncol., 6 (2008), p. 3
  16. 16 C. Hou, P. Chang, C. Chen, Y.H. Lin, K.H. Tsui; Does adequate bladder cuff excision impact outcomes in patients undergoing nephroureterectomy for upper tract urothelial carcinoma; Chang Gung Med J., 34 (2011), p. 5
  17. 17 E. Xylinas, L. Kluth, N. Passoni, Q.D. Trinh, M. Rieken, R.K. Lee, et al.; Prediction of intravesical recurrence after radical nephroureterectomy: Development of a clinical decision‐making tool; Eur Urol., 65 (2014), pp. 650–658
  18. 18 D.R. Yates, V. Hupertan, P. Colin, A. Ouzzane, A. Descazeaud, J.A. Long, et al.; Cancer‐specific survival after radical nephroureterectomy for upper urinary tract urothelial carcinoma: Proposal and multi‐institutional validation of a post‐operative nomogram; Br J Cancer., 106 (6) (2012), pp. 1083–1088
  19. 19 M-D. Azémar, E. Comperat, F. Richard, O. Cussenot, M. Rouprêt; Bladder recurrence after surgery for upper urinary tract urothelial cell carcinoma: Frequency, risk factors, and surveillance; Urol Oncol., 29 (2011), pp. 130–136
  20. 20 N. Sakamoto, S. Naito, J. Kumazawa, A. Ariyoshi, Y. Osada, T. Omoto, et al.; Prophylactic intravesical instillation of mitomycin C and cytosine arabinoside for prevention of recurrent bladder tumors following surgery for upper urinary tract tumors: A prospective randomized study; Int J Urol., 8 (2001), pp. 212–216
  21. 21 Y. Kusuda, H. Miyake, T. Terakawa, Y. Kondo, T. Miura, M. Fujisawa; Gender as a significant predictor of intravesical recurrence in patients with urothelial carcinoma of the upper urinary tract following nephroureterectomy; Urol Oncol., 31 (2013), pp. 899–903
  22. 22 Y. Kobayashi, T. Saika, Y. Miyaji, M. Saegusa, R. Arata, N. Akebi, et al.; Preoperative positive urine cytology is a risk factor for subsequent development of bladder cancer after nephroureterectomy in patients with upper urinary tract urothelial carcinoma; World J Urol., 30 (2012), pp. 271–275
  23. 23 D.S. Cho, S.I. Kim, H.S. Ahn, S.J. Kim; Predictive factors for bladder recurrence after radical nephroureterectomy for upper urinary tract urothelial carcinoma; Urol Int., 91 (2013) Epub ahead of print
  24. 24 J.D. Raman, C.K. Ng, S.A. Boorjian, E.D. Vaughan Jr., R.E. Sosa, D.S. Scherr; Bladder cancer after managing upper urinary tract transitional cell carcinoma: Predictive factors and pathology; BJU Int., 96 (2005), pp. 1031–1035
  25. 25 T.J. Walton, B.T. Sherwood, R.J. Parkinson, O. Obakponovwe, S.A. Thomas, M.C. Taylor, et al.; Comparative outcomes following endoscopic ureteral detachment and formal bladder cuff excision in open nephroureterectomy for upper urinary tract transitional cell carcinoma; J Urol., 181 (2009), pp. 532–539
  26. 26 O. Kamihira, R. Hattori, A. Yamaguchi, G. Kawa, O. Ogawa, T. Habuchi, et al.; Laparoscopic radical nephroureterectomy: A multicenter analysis in Japan; Eur Urol., 55 (2009), pp. 1397–1407
  27. 27 A. Berger, G.P. Haber, K. Kamoi, M. Aron, M.M. Desai, J.H. Kaouk, et al.; Laparoscopic radical nephroureterectomy for upper tract transitional cell carcinoma: Oncological outcomes at 7 years; J Urol., 180 (2008), pp. 849–854
  28. 28 C. Langner, G. Hutterer, T. Chromecki, I. Winkelmayer, P. Rehak, R. Zigeuner; pT classification, grade, and vascular invasion as prognostic indicators in urothelial carcinoma of the upper urinary tract; Mod Pathol., 19 (2006), pp. 272–279
  29. 29 A. Ouzzane, P. Colin, E. Xylinas, G. Pignot, M.M. Ariane, F. Saint, et al.; Ureteral and multifocal tumours have worse prognosis than renal pelvic tumours in urothelial carcinoma of the upper urinary tract treated by nephroureterectomy; Eur Urol., 60 (2011), pp. 1258–1265
  30. 30 M. Mullerad, P. Russo, D. Golijanin, H.N. Chen, H.H. Tsai, S.M. Donat, et al.; Bladder cancer as a prognostic factor for upper tract transitional cell carcinoma; J Urol., 172 (2004), pp. 2177–2181
Back to Top

Document information

Published on 31/08/16

Licence: Other

Document Score

0

Views 15
Recommendations 0

Share this document

claim authorship

Are you one of the authors of this document?