DOENÇA POLICÍSTICA DO FÍGADO ASSOCIADA A DOENÇA POLICÍSTICA RENAL: RELATO DE CASO NA ATENÇÃO BÁSICA E REVISÃO DA LITERATURA

Resumo

A Doença Policística do Fígado (DPF) é caracterizada pela formação de múltiplos cistos hepáticos e pode se apresentar de forma isolada ou associada à Doença Renal Policística Autossômica Dominante (DRPAD). A maioria dos casos é assintomática, mas alguns pacientes desenvolvem sintomas compressivos e complicações. Este trabalho descreve um caso clínico de DPF diagnosticado incidentalmente em paciente sintomática e realiza uma revisão crítica da literatura recente, enfatizando aspectos etiológicos, fisiopatológicos e terapêuticos da doença.

Palavras-chave: Doença policística hepática; Cistos hepáticos;Doença policística renal; Relato de caso; Hepatologia.

Introdução

A Doença Policística do Fígado (DPF) é uma condição hepática caracterizada pela formação de múltiplos cistos no fígado, que podem variar em tamanho e afetar significativamente a função hepática. Em muitos casos, essa doença está associada à Doença Renal Policística Autossômica Dominante (DRPAD), mas pode ocorrer de forma isolada. A prevalência da DPF é variável, com estimativas que indicam que até 40% dos pacientes com DRPAD podem apresentar manifestações hepáticas, sendo, no entanto, muitos pacientes assintomáticos (SHERSTHA et al., 2022). A evolução clínica pode incluir aumento do fígado, dor abdominal, e, em casos mais graves, complicações como insuficiência hepática. O diagnóstico é frequentemente realizado por métodos de imagem, como ultrassonografia e tomografia computadorizada (TORRES et al., 2023).

Relato do Caso Clínico

Paciente do sexo femenino, 52 anos, preta, com histórico pessoal de colescistectomia e histerectomia total, bebedora social e hipertensa em uso de medicação continua. Não possui histórico familiar de doenças relevantes nem alergias medicamentosas.

Queixa-se de dor abdominal, tipo cólica, acompanhado de diarreia, com varios episodios , sem pus , nem sangue, sem outra sintomatologia acompanhante. Os sintomas tinham começado há uma semana.

Achados ao exame físico:

PA (BD): 179/101 mmHg, Fc 82 bpm. O abdome apresentava-se timpânico à percussão, com macicez hepática bem definida, correspondendo a uma hepatometria de aproximadamente 5 cm no rebordo costal direito. Ruídos hidroaéreos estavão aumentados nos quatro quadrantes. À palpação, observou-se dor difusa à palpação profunda, sem sinais de irritação peritoneal evidente. Não foram identificadas massas ou organomegalias além da hepatomegalia.

Foi realizado exame de imagem (21/10/2024), ultrassonografia abdominal com os seguintes achados (figura 1.1, 1.2, 2 e 3) Exames laboratoriais (21/10/2024): Acido úrico 2 mg/dl, Bilirrubina total 0,37 mg/dl, Bilirrubina direta 0,18 mg/dl, Bilirrubina indireta 0,19 mg/dl, TGP 21 u/l, TGO 16 U/L, Uréia 34 mg/dl, Creatinina 0,51 mg/dl, Sorologia para hepatite B, C não reagente.

Exames laboratoriais (04/12/2024): Hemograma 12,2 g/dl, Hto 36,4 %, Leucograma e plaquetas normais, TGP 15 u/l, TGO 25 U/L, GGT 27 u/l, Uréia 36 mg/dl, Creatinina 0,52 mg/dl, Fosfatase alcalina 136 u/l, Urina tipo I negativa


'Figura 1.1'

Figura 1.1

Draft Prado Junco 408440319-image2.jpeg

Figura 1.2

Figura 1.1 e 1.2: identificando fígado de contornos irregulares, parênquima heterogêneo, ecogenicidade aumentada, trama vascular diminuída e volume aumentado, múltiplos cistos no parênquima hepático, o maior no lobo esquerdo medindo 8.9 cm x 7.0 cm.

'Figura 2.'

Figura 2.

Draft Prado Junco 408440319-image4.jpeg

Figura 3.

Figura 2 e 3. Rim esquerdo ,apresenta tamanho aumentado , parenquima heterogêneo e contornos irregulares, com dimensoes 13.1 cm x 5.3 cm. Multiplos cistos em ambos os rins, o maior no polo inferior do esquerdo medindo 4.6 cm x 4.4 cm. Rim direito , apresenta tamanho aumentado, parenquima heterogêneo e contornos irregulares, dimensoes 12.0 cm x 5.1 cm.

Revisão da Literatura

A Doença Policística do Fígado (DPF) é uma condição hepática rara que pode se desenvolver de forma isolada ou em associação com a Doença Renal Policística Autossômica Dominante (DRPAD). O diagnóstico precoce é importante para evitar complicações graves, como a insuficiência hepática. A etiologia da DPF está relacionada a mutações genéticas nos genes PKD1, PKD2, SEC63 e PRKCSH, esses dois últimos localizados nos cromossomos 19p13.2–p13.1 e 6q21, respectivamente, que estão envolvidos na regulação do citoesqueleto celular e no transporte de líquidos nos cistos hepáticos (SHERSTHA et al., 2022; (DRÈZE et al., 2024). ).

Essas mutações levam a uma malformação do ducto biliar intra-hepático, conhecida como malformação da placa ductal, resultando na formação de cistos hepáticos (PATHOLOGY OUTLINES, 2024).


A fisiopatologia da DPF está associada ao aumento da produção de cistos hepáticos, que resultam na distensão do fígado e no comprometimento da função hepática. O acúmulo de fluidos nos cistos leva à compressão dos tecidos hepáticos normais, o que pode gerar dor abdominal e distensão (GEVERS et al., 2022). A progressão da doença pode causar complicações graves, como a cirrose hepática e insuficiência hepática (BANGE et al., 2023).

O diagnóstico da DPF é realizado principalmente através de exames de imagem, como ultrassonografia, tomografia computadorizada e ressonância magnética, sendo que a tomografia é mais precisa para identificar os cistos hepáticos e seu número (TORRES et al., 2023; VAN AERTS et al., 2022). Em casos raros, o diagnóstico genético pode ser necessário, especialmente em pacientes com apresentação clínica atípica. (DRÈZE et al., 2024).

O tratamento para DPF é, em sua maioria, sintomático. O manejo conservador envolve o acompanhamento clínico regular, a redução da dor e a monitorização de complicações. Em alguns casos, a utilização de análogos da somatostatina, como a octreotida, tem mostrado eficácia na redução do volume dos cistos hepáticos, embora a evidência seja limitada (PORATH et al., 2023; DUIJZER et al., 2024). Além disso, procedimentos como aspiração com escleroterapia, fenestração cística e ressecção hepática parcial podem ser considerados (SHERSTHA et al., 2022). Em casos graves, o transplante hepático pode ser necessário, especialmente nos casos de insuficiência hepática terminal (MASYUK et al., 2022; DRÈZE et al., 2024).

Discussão

Conforme descrito no caso clínico, a suspeita é Doença Policística do Fígado associada à Doença Renal Policística, embora exista dificuldade da realização de exames genêticos.

É uma condição frequentemente assintomática, mas que pode evoluir para sintomas significativos à medida que os cistos aumentam de tamanho, além de sintomas compresivos. O caso relatado é representativo de uma forma menos agressiva da doença, com sintomas leves que podem ser manejados com acompanhamento. A literatura recente sugere que a maior parte dos casos pode ser tratada conservadoramente, com intervenções mínimas necessárias a menos que a progressão da doença leve a complicações graves (TORRES et al., 2023). Esse caso também evidencia a importância de realizar diagnósticos diferenciais e avaliar regularmente a função hepática, visto que os sintomas podem ser confundidos com outras condições hepáticas.

O tratamento conservador foi uma escolha apropriada para este caso, uma vez que a paciente apresentava sintomas leves. Embora os análogos da somatostatina sejam uma opção terapêutica promissora, a literatura ainda não demonstra benefícios claros em todos os casos, e o uso de terapias agressivas só é recomendado em estágios avançados da doença (VAN AERTS et al., 2022).

A paciente foi encaminhada para Gastroenterologia

Conclusão

A Doença Policística do Fígado isolada ou associada é uma condição rara e muitas vezes assintomática que pode levar a complicações graves se não diagnosticada e tratada adequadamente. O manejo conservador é a principal abordagem para casos com sintomas leves, como o relatado, mas em casos graves, novas terapias e, em última instância, o transplante hepático podem ser necessários. O acompanhamento regular é essencial para monitorar a evolução da doença e evitar complicações fatais.

Referências

BANGE, F. C.; BENSEL, J.; HOYER, P. F. Polycystic liver disease: An update on diagnosis and management. Hepatology International, v. 17, n. 4, p. 785–799, 2023.


SHERSTHA, R.; BAJWA, A.; TORRES, V. E. Genetics of polycystic liver diseases: New insights. Journal of Hepatology, v. 77, n. 2, p. 474–486, 2022.


PORATH, B. et al. GANAB mutations associated with polycystic liver and kidney disease. Journal of Clinical Investigation, v. 133, n. 12, e168469, 2023.


MASYUK, T. V.; LARUSSO, N. F. Pathogenesis of polycystic liver disease: cAMP and beyond. Hepatology, v. 76, n. 3, p. 964–976, 2022.


TORRES, V. E. et al. Polycystic liver disease: an update on diagnosis and therapy. Liver International, v. 43, n. 8, p. 1624–1635, 2023.


GEVERS, T. J.; DRAGHIA-AKLI, R.; TORRES, V. E. Polycystic liver disease: An overview of pathogenesis, clinical manifestations and management. Nature Reviews Gastroenterology & Hepatology, v. 19, n. 3, p. 185–199, 2022.


VAN AERTS, R. M. M. et al. Effect of lanreotide on polycystic liver disease volume: a randomized controlled trial. Gastroenterology, v. 163, n. 5, p. 1415–1425.e4, 2022.
CHRISPIJN, M. et al. Somatostatin analogs in polycystic liver disease. Expert Opinion on Pharmacotherapy, v. 25, n. 1, p. 77–86, 2024.


RAVINE, D. et al. Factors influencing progression in autosomal dominant polycystic liver disease. Clinical Gastroenterology and Hepatology, v. 21, n. 2, p. 468–475, 2023.

DRÈZE, S. et al. Polycystic liver disease: an uncommon genetic condition. *Clinical Case Reports*, v. 10, n. 1, p. e8892, 2024. Disponível em: [<https://onlinelibrary.wiley.com/doi/full/10.1002/ccr3.8892>. <https://onlinelibrary.wiley.com/doi/full/10.1002/ccr3.8892>.] Acesso em: 27 abr. 2025.


DUIJZER, R. et al. The pathophysiology of polycystic liver disease. *Journal of Hepatology*, v. 80, n. 6, p. 981-983, 2024. Disponível em: [<https://www.journal-of-hepatology.eu/article/S0168- <https://www.journal-of-hepatology.eu/article/S0168-]8278(24)00007-2/fulltext>. Acesso em: 27 abr. 2025.


PATHOLOGY OUTLINES. Polycystic liver disease. Disponível em: [<https://www.pathologyoutlines.com/topic/liverpolycysticliverdisease.html>. <https://www.pathologyoutlines.com/topic/liverpolycysticliverdisease.html>.] Acesso em: 27 abr. 2025.


SHERSTHA, R. et al. Genetics of polycystic liver diseases: New insights. *Journal of Hepatology*, v. 77, n. 2, p. 474–486, 2022. Disponível em: [<https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/38599980/>. <https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/38599980/>.] Acesso em: 27 abr. 2025.


TORRES, V. E. et al. Polycystic liver disease: an update on diagnosis and therapy. *Liver International*, v. 43, n. 8, p. 1624–1635, 2023. Disponível em: [<https://www.journals.elsevier.com/liver-international>. <https://www.journals.elsevier.com/liver-international>.] Acesso em: 27 abr. 2025.

Declaração de Conflito de Interesses

O autor declara não haver conflito de interesses na realização deste trabalho.

Consentimento Informado

Foi obtido o consentimento informado da paciente para publicação deste relato de caso, conforme as normas éticas vigentes.

Back to Top

Document information

Published on 05/05/25
Submitted on 27/04/25

Licence: CC BY-NC-SA license

Document Score

0

Views 14
Recommendations 0

Share this document