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Título: Interfaces entre Prática e Formação: Desempenho Profissional e Aquisição de Conhecimento na Pós-Graduação em Medicina de Família e Comunidade - Experiência como tutor. SP - Brasil

Autor: Dr Vicente Leonides Prado Junco Especialista em Medicina de Família e Comunidade Tutor na pós-graduação em Medicina de Família e Comunidade - UNASUS-Unifesp

Resumo

Este artigo analisa criticamente a relação entre o desempenho profissional e a aquisição de conhecimento de estudantes da pós-graduação em Medicina de Família e Comunidade (MFC). A partir de uma revisão integrativa da literatura, associada a fundamentos teóricos da educação em saúde, discute-se como o contexto da prática assistencial na Atenção Primária à Saúde (APS) influencia os processos formativos. Destacam-se os desafios enfrentados, os dispositivos pedagógicos adotados e as implicações para a qualificação da força de trabalho em saúde. A experiência como tutor da pós-graduação da UNASUS/Unifesp permitiu observar que a motivação, o vínculo com o território e o tempo de atuação influenciam diretamente na qualidade do desempenho do aluno.

Introdução

A consolidação da Estratégia Saúde da Família (ESF) como modelo prioritário de atenção à saúde no Brasil exigiu a formação de profissionais com competências específicas em Medicina de Família e Comunidade. A pós-graduação lato sensu, muitas vezes associada a políticas de provimento como o Mais Médicos e o Médicos pelo Brasil, tem sido o principal mecanismo para essa qualificação (Paim et al., 2011; Brasil, 2020). A formação desses profissionais ocorre simultaneamente à atuação clínica, o que exige metodologias que articulem teoria e prática, com foco em desenvolvimento crítico e competências situadas. Essa dualidade – ser profissional e estudante – lança desafios tanto pedagógicos quanto organizacionais (Feuerwerker & Cecim, 2021).

Fundamentos Teóricos da Aprendizagem em Serviço

A aprendizagem dos profissionais em Medicina de Família e Comunidade (MFC) se dá, prioritariamente, em contextos reais de atuação, nos quais o trabalho e a formação se entrelaçam de forma indissociável. Essa perspectiva se alinha à noção de formação em serviço, que compreende o cotidiano da prática assistencial como espaço legítimo de produção de conhecimento e de subjetividades profissionais.

Schön (1992) introduz o conceito de reflexão-na-ação, segundo o qual o profissional aprende enquanto age, reinterpretando suas experiências e reconstruindo saberes em tempo real. Tal abordagem valoriza a dimensão prática da aprendizagem e o desenvolvimento da capacidade crítica frente à complexidade das situações enfrentadas.

A pedagogia crítica de Freire (1987) acrescenta a esse processo a centralidade da realidade vivida como ponto de partida da aprendizagem. A valorização do contexto, do território e dos saberes populares promove uma educação problematizadora, na qual os sujeitos tornam-se protagonistas da transformação social e profissional.

Na saúde, essa perspectiva é incorporada pela Educação Permanente em Saúde (EPS), diretriz nacional que compreende o trabalho como espaço pedagógico e defende que "se trabalha e se aprende no mesmo movimento" (Ceccim & Feuerwerker, 2004). A EPS propõe metodologias que partem dos desafios cotidianos para promover a construção coletiva do conhecimento, articulando ensino, atenção, gestão e controle social.

A teoria da aprendizagem significativa, de Ausubel (2003), contribui ao enfatizar que a incorporação de novos conhecimentos depende de sua articulação com estruturas cognitivas pré-existentes. Essa conexão é intensificada em ambientes desafiadores como a Atenção Primária à Saúde (APS), nos quais o profissional é constantemente estimulado a revisar e ressignificar seus saberes.

Outras abordagens contemporâneas também oferecem contribuições relevantes. Boud (1985) destaca a aprendizagem experiencial como um processo ativo e reflexivo que emerge da própria vivência, sendo fundamental para o desenvolvimento de competências em contextos complexos. Já Wenger (1998) propõe a noção de comunidades de prática, nas quais a aprendizagem ocorre pela participação em coletivos que compartilham propósitos, repertórios e práticas comuns. No âmbito da pós-graduação em MFC, dispositivos como a tutoria, os fóruns clínicos e os projetos terapêuticos singulares constituem exemplos concretos dessas comunidades formativas.

Por fim, Merhy (2002) contribui ao propor a ideia do trabalho vivo em ato, compreendido como uma produção que envolve invenção, subjetividade e criatividade no cotidiano dos serviços. Tal concepção amplia a visão de formação ao incorporar aspectos éticos, políticos e afetivos que atravessam o cuidado e que devem ser considerados nos processos educativos.

Dessa forma, a formação em serviço na MFC demanda uma concepção ampliada de aprendizagem, pautada na integração entre teoria e prática, no diálogo entre saberes e na valorização da experiência como fonte legítima de conhecimento. É nesse entrelaçamento que se constituem profissionais críticos, reflexivos e comprometidos com a transformação da realidade em saúde.

Desempenho Profissional e Avaliação por Competências

O desempenho dos estudantes de pós-graduação em MFC deve ser avaliado com base na aquisição de competências clínicas, comunicacionais, éticas e de gestão, conforme descrito nas Diretrizes da SBMFC (2020) e nas políticas de EPS (Brasil, 2009). Isso inclui:

1. A capacidade de tomada de decisão clínica com base em evidências e contexto;

2. Habilidades de escuta qualificada e construção de vínculo;

3. Atuação integrada à equipe e gestão do cuidado.

Estudos apontam que o acompanhamento por tutores, a análise crítica de casos reais e a construção de projetos terapêuticos são estratégias eficazes para promover essas competências (Gomes et al., 2019).

Desafios para a Aquisição de Conhecimento

Apesar das potencialidades da formação em serviço, diversos desafios dificultam a consolidação de processos formativos sólidos. Entre eles:

1. A sobrecarga de trabalho e ausência de tempo protegido para estudo (Giffin & Freitas, 2022);

2. A escassez de preceptores com formação pedagógica adequada (Trad et al., 2013);

3. A permanência de uma cultura biomédica hegemônica, que muitas vezes desvaloriza saberes relacionais e territoriais (Merhy, 2002).

Superar esses obstáculos exige investimento institucional em estrutura pedagógica, valorização do trabalho como espaço educativo e compromisso com uma epistemologia crítica da prática.

Considerações Finais

A pós-graduação em MFC representa uma oportunidade estratégica para qualificar a APS, desde que estruturada em metodologias que valorizem a experiência profissional como fonte de conhecimento. A articulação entre desempenho clínico e aprendizagem reflexiva é essencial para formar profissionais capazes de lidar com a complexidade da vida real, construindo cuidado com base no território, no vínculo e na autonomia dos sujeitos.

Referências

AUSUBEL, D. P. Aquisição e retenção de conhecimentos: uma perspectiva cognitiva. Lisboa: Plátano, 2003.

BOUD, D. Reflection: Turning experience into learning. London: Kogan Page, 1985. BRASIL. Ministério da Saúde. Política Nacional de Educação Permanente em Saúde. Brasília: MS, 2009.

BRASIL. Ministério da Saúde. Programa Médicos pelo Brasil: bases legais e diretrizes. Brasília: MS, 2020. CECCIM, R. B.; FEUERWERKER, L. C. M. O quadrilátero da formação para a área da saúde: ensino, gestão, atenção e controle social. Physis, v. 14, n. 1, p. 41–65, 2004.

FEUERWERKER, L. C. M.; CECIM, R. B. Formação em Saúde: significados e práticas em transformação. In: LIMA, J. C.; PINTO, H. A. Educação Permanente em Saúde: teoria e prática. Rio de Janeiro: EPSJV/Fiocruz, 2021.

FREIRE, P. Pedagogia do Oprimido. 17. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987. GIFFIN, K.; FREITAS, M. R. Educação e saúde: desafios contemporâneos da formação em serviço. Interface, v. 26, e220020, 2022.

GOMES, M. P. et al. Competências na atenção primária à saúde: percepções de egressos de residência médica em MFC. Revista Brasileira de Educação Médica, v. 43, n. 2, p. 20–27, 2019.

MERHY, E. E. Em busca do tempo perdido: a micropolítica do trabalho vivo em saúde. São Paulo: Hucitec, 2002. PAIM, J. et al. O sistema de saúde brasileiro: história, avanços e desafios. The Lancet, v. 377, p. 1778–1797, 2011.

SCHÖN, D. A. Educando o profissional reflexivo: um novo design para o ensino e a aprendizagem. Porto Alegre: Artmed, 1992.

SBMFC – Sociedade Brasileira de Medicina de Família e Comunidade. Diretrizes Curriculares da Residência em MFC. Brasília: SBMFC, 2020. TRAD, L. A. B. et al. Formação em saúde e o desafio da integralidade: um estudo com estudantes da graduação e da residência em MFC. Ciência & Saúde Coletiva, v. 18, n. 6, p. 1755–1764, 2013.

WENGER, E. Communities of practice: learning, meaning, and identity. Cambridge: Cambridge University Press, 1998.

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Published on 03/05/25
Submitted on 26/04/25

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